Chamada Temática nº 51 - FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS ONTEM E HOJE
Em finais do XIX, autores como Max Weber (2015) apontavam para o chamado desencantamento do mundo, isto é, um processo longo que seria responsável em substituir a manipulação do mundo pelas forças sobrenaturais por uma racionalização cada vez mais acentuada. Contudo, a despeito das previsões do sociólogo alemão, o que se constata no século XX é o exato oposto, isto é, a presença cada vez maior de grupos que, em nome da sua religião, reivindicam espaço e ações no espaço público e político. Tal quadro é apresentado por Armstrong (2009, p.9) como a manifestação do fundamentalismo.
Segundo a autora (ARMSTRONG, 2009, p.9) uma característica desses movimentos é uma suposta aversão aos valores mais básicos da sociedade moderna, qual sejam: “democracia, pluralismo, tolerância religiosa, paz internacional, liberdade de expressão, separação entre Igreja e Estado (...)” (ARMSTRONG, 2009, p.9). Nesse sentido, um traço característico entre os diferentes grupos religiosos passivos de serem caracterizados como fundamentalistas, seria a inserção do sagrado no campo da política. A despeito desta recusa à modernidade, os fundamentalistas podem ser enquadrados como produtos desta mesma sociedade, pois é segundo os critérios e mecanismo da modernidade que operam (DE MARIA; CHEVITARESE, s/p).
Outro ponto de análise, seguindo as propostas teóricas de Manuel Castells (2013), seria a oferta da produção de identidade oferecida pela religião num período histórico onde valores tidos como fixos se tornam cada vez mais dispersos e descaracterizado, atingindo a sociedade, especialmente os discursos religiosos. Bauman (2000) aponta o surgimento de uma “modernidade líquida” onde laços outrora tidos como fixos, se esboroam em contato com a modernidade, sendo a religião um desses laços portadores de sentido. O suposto “retorno aos fundamentos” ou um “retorno à tradição” prometidos pelos fundamentalismos se tornam cada vez mais comuns e atraentes tanto em sociedades ocidentais como em países do Oriente.
O Tradicionalismo católico, o Salafismo islâmico e os movimentos radicais cristãos são apenas alguns exemplos da multiplicidade de discursos que negam a modernidade, e, ao mesmo tempo, dela se utilizam para alcançarem as massas através de ferramentas digitais modernas. Para Mark Sedgwick (2023, p.19), trata-se da busca de uma reordenação sagrada do mundo decadente e pautado por valores morais inaceitáveis.
Os diferentes fundamentalismos, a despeito de quão afastados estejam das práticas religiosas e culturais da modernidade, seguem atraindo mais adeptos, o que os torna atores sociais significativos. Atualmente o campo de estudo dos fundamentalismos ainda é pouco explorado por estudiosos acadêmicos no Brasil, o que faz necessário o debate e as tentativas de compreensão por estudiosos do tema.
Assim, a presente chamada de dossiê temático tem por objetivo reunir pesquisas que proponham contribuições inovadoras para a reflexão sobre sore os mais diversos tipos de fundamentalismos a partir de suas manifestações, histórica, sociológica, política, cultural, intelectual, psicanalítica, teológica etc. Assim, o dossiê pretende reunir estudos que apontem debates, reflexões e análises por meio da compreensão de acontecimentos, fenômenos, autores ou grupos documentais que contemplem questões acerca dos fundamentalismos religiosos.
Organizadores:
Ronald Apolinario de Lira, graduado em História, mestre e doutor em Ciências Sociais é docente do departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História (PPHR) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, produzindo pesquisas sobre o tradicionalismo católico.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4625-049X.
João Guilherme Lisbôa Rangel, graduado, mestre e doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPHR) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Professor da rede municipal de Maricá e pesquisador do Laboratório de Estudos dos Protestantismos (LABEP). Pesquisa temas ligados ao fundamentalismo católico, santidade e reformas religiosas no século XVI.