Editorial Iluminus – O Iluminismo em revista

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É com grande satisfação que apresentamos o segundo número da Iluminus, que conta com 10 artigos na seção Século XVIII, e 1 artigo na seção revisões de literatura.

Maria Constança Peres Pissara escreve o primeiro artigo, O que resta das Luzes? Apresenta uma importante reflexão de um grande estudioso do século XVIII – um dexuimiste – Jean-Marie Goulemot, em seu livro Adieu les philosophes. Que reste-t-il des Lumières?, em que o mesmo propõe evidenciar as contradições e as ambiguidades das Luzes sem ficar circunscrito ao limite temporal do período. 

No texto seguinte, Solidão e sentimento de existência nos Devaneios de J.-J. Rousseau, Jacira de Freitas reflete sobre um dos desafios para interpretar o pensamento de Rousseau que consiste no problema da articulação entre a vida e a obra do filósofo. Nesse contexto, o problema da unidade do indivíduo e sua autenticidade torna-se objeto de uma análise minuciosa, que envolve uma nova compreensão do pensamento do filósofo genebrino, a partir de sua obra autobiográfica. E discute passagens da obra autobiográfica Les Rêveries du promeneur solitaire escrita ao final da vida do filósofo, as quais enunciam a possibilidade de superação do problema da dissociação do eu interior, presente na crítica à civilização, inserida nas obras teóricas do filósofo.

La respuesta de Rousseau a Voltaire: de la Providencia a la filosofía y de la filosofía a la política, Vera Waksman retoma o acontecimento do terramoto de Lisboa de 1755 que reavivou a polêmica sobre o mal e a Providência em pleno Iluminismo. Tendo em conta o contexto do debate sobre o “otimismo” e analisa o exame crítico que Rousseau faz do poema de Voltaire sobre Lisboa. A autora argumenta que a refutação dos argumentos de Voltaire permite a Rousseau apontar os limites da disputa metafísica e reorientar a questão em termos práticos. O conhecimento sobre o todo está além da capacidade do filósofo, os argumentos a favor ou contra a religião dependem do sentimento e não da razão e o problema se constitui em torno da relação entre religião e política e da necessidade de tolerância. A abordagem rousseauniana mostra a tradução de um problema metafísico para o nível político-moral.

Em Formação versus instrução no Emílio de Rousseau, Maria do Socorro Gonçalves da Costa, a partir de uma significativa leitura do romance de formação do filósofo Rousseau, enfatiza que na segunda fase da educação da natureza delineada pelo autor, em Emílio ou da Educação, o adolescente entra na etapa de aprendizado de um ofício, onde o filósofo direciona seu aprendiz a aprimorar os sentidos em detrimento da razão. Partindo desse pressuposto, é caracterizado a diferença entre formação e instrução, fazendo um recorte do que é estabelecido no livro III, da obra pedagógica do autor, quando irá discorrer sobre a importância do trabalho na vida do indivíduo. Sendo o trabalho um dos principais itens de sobrevivência na vida do ser humano, ao educar uma criança desde sua infância à idade adulta, é mister que chegará o momento de tratar sobre o assunto no desenvolvimento humano e cognitivo do jovem aprendiz. A forma como Rousseau pensa-o para a vida do jovem divergiria de alguns parâmetros educacionais difundidos entre as escolas na Modernidade.

Marisa Alves Vento, escreve o artigo Rousseau: a generalização do interesse e da vontade em que versa sobre a generalização da vontade e do interesse, mostrando a importância da base antropológica para a formação do interesse bem compreendido do cidadão. A análise da discussão entre Rousseau e Diderot no Manuscrito de Genebra foi o ponto de partida das reflexões que são apresentadas, levando à percepção de que Rousseau vincula a capacidade de generalizar ideias com a capacidade do indivíduo de separar-se de si mesmo. Condição sem a qual este não seria capaz de “considerar a espécie” e assumir os deveres que o engajamento exige. Significa dizer que “separação de si” implica uma aprendizagem, uma educação para tal condição. Isso é precisamente o que o “homme indépendent” não pode realizar de imediato, seria necessário fazê-lo ver de que maneira o seu interesse pessoal exigiria que ele se submetesse à vontade geral.

Un agitateur philosophique en politique? Considérations sur l’écriture politique de Fichte a partir de sa rencontre avec Machiavel, escrito por Marco Rampazzo Bazzan apresenta o Ensaio sobre Maquiavel, escrito que Fichte publicou no jornal patriótico Vesta, em 1807, tornou-se um verdadeiro enigma para os intérpretes, não apenas por causa de seu conteúdo, mas, acima de tudo, por causa da importância que lhe foi atribuída para o desenvolvimento do pensamento político de seu autor. Nos últimos cinquenta anos, a discussão sobre esse texto foi monopolizada pela disputa sobre a “maquiavelisação” de Fichte. Nesta contribuição, o autor defende a tese de que o impacto do diálogo que Fichte instaura com Maquiavel está menos numa virada do pensamento de Fichte do que na dimensão política de sua escrita entre 1807 e 1813.

O artigo - Do sentimento de piedade à possibilidade de outras configurações sociais e políticas de Helena Esser dos Reis é enfatizado que apesar do modo como se dá a passagem do homem natural ao homem social não ser objeto de uma investigação detalhada por parte de Rousseau, posto que afirma decorrer de acasos fortuitos, as consequências desta passagem não são desprezíveis. A longa descrição deste processo no Segundo Discurso nos faz compreender que a desnaturação tende a resultar em vícios e violações; entretanto, percorrendo as obras de Rousseau encontra argumentos para pensar que aquela história verossímil não condena a humanidade. Assim, o propósito, neste artigo, será investigar neste primeiro movimento de saída da própria individualidade a possibilidade de uma socialização baseada na virtude e no compromisso com o outro. A dificuldade deste projeto decorre de seus próprios pressupostos – os acasos fortuitos que levam as pessoas a se encontrarem e conviverem não as prepara para esta nova etapa. O convívio desperta paixões que sufocam, embora não aniquilem, o sentimento original de piedade.  Discutiremos, então, sobre a possibilidade de estimular este sentimento, a fim de favorecer um processo de socialização que reconheça o outro como igual e estabeleça compromissos mútuos entre as pessoas no âmbito da vida social e política.

A máscara do parecer e o sofrimento do ser: paralelos entre Jean-Jacques Rousseau e Raul Brandão de Helderson Mariani Pires e Gabriel Fallaci Fernando, é abordado um paralelo existente entre o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o escritor Raul Brandão (1867-1930). Apesar de distantes temporal e geograficamente, faz-se extremamente interessante como a obra dos dois autores dialoga nuclearmente no que se refere à tratativa crítica do embate entre ser e parecer na sociedade. Enquanto Rousseau desenvolve suas considerações por meio do estabelecimento de conceitos, mitologias originárias e um pensamento agudamente político-social, Brandão apresenta, em 1917 – ano da publicação de sua obra máxima –, mais de um século depois, a materialização em forma de romance da denúncia social que Rousseau já havia produzido em sua época. Diante do que foi dito, o presente artigo, em função da concretização do objetivo pretendido, exporá o quanto possível a temática do ser e do parecer e a conexão possível entre os dois autores por meio de suas distantes – porém, extremamente próximas – denúncias sociais e morais acerca da máscara social que os indivíduos usam em seu cotidiano.

Por seu turno, Samarone Carvalho Marinho, em seu artigo Entre cartas achadas e prefácios traduzidos Aproximação às filosofias da natureza de Schelling e Humboldt apresenta uma tradução que demonstra a hipótese de um diálogo entre os sistemas filosófico-científicos de Friedrich Schelling (1775-1854) e Alexander von Humboldt (1769-1859). A partir da versão de cartas em português trocadas por Schelling e Humboldt, bem como da tradução do prefácio do original em alemão Ideen zu einer Geographie der Pflanzen (1807) de autoria de Humboldt com o pintor Aimé Bonpland, expõem-se as afinidades entre os sistemas filosófico-científicos dos autores. Quer-se com isso permitir a possibilidade de leitura de pontos de convergência entre as suas respectivas filosofias da natureza. Para tanto, dois momentos de exposição se fizeram essenciais para sustentar a hipótese de tal convergência entre os referidos sistemas. Num primeiro momento, apresenta-se a tradução de duas cartas fundamentais trocadas entre Schelling e Humboldt. Num segundo momento, apresenta-se a tradução do “Prefácio” (Vorrede) no original em alemão, cujos traços schellinguianos são evidenciados para sustentar a hipótese interpretativa de aproximação aos sistemas filosófico-científicos dos autores. Tal empreendimento de tradução permite, igualmente, possibilidade do diálogo entre os sistemas naquilo que se refere aos arcos conceituais mais gerais dos autores, a saber: a aproximação das teses schellinguianas (“natureza como um todo”, “potências da natureza” e “organização da natureza”) com os conceitos humboldtianos (“formas da natureza”, “fisionomia da natureza” e “pinturas da natureza”). Por fim, em termos de nota final explicativa, apresenta-se o percurso da existência de dois originais (um em alemão e outro em francês), à obra de Humboldt e Bonpland, apontando para a necessidade de uma análise historiográfica da mesma quanto ao destino de sua recepção nos estudos sobre o conceito de natureza.

João Emiliano Fortaleza de Aquino escreve o último artigo desta seção, Origem teológica e uso colonial da crítica iluminista da superstição, que se propõe mostrar que o conceito iluminista de superstição, que a apresenta com base nas categorias da ignorância e do medo, é uma retomada, em outras condições históricas, da discussão teológica tardo-antiga sobre esse fenômeno. Objeto de reflexão crítica em pensadores romanos como Cícero, Varrão e Sêneca, esse conceito é transposto por Ireneu de Lyon e, principalmente, Agostinho de Hipona para o interior da teologia católica com base numa nova posição ontológica, orientada pelo platonismo. A hipótese do artigo é que, na crítica iluminista, que em seus traços mais gerais permanece no mesmo terreno inaugurado por Ireneu e Agostinho, se trata de identificar a superstição à barbárie, dadas as então condições de colonização do mundo extra-europeu pela Europa.

O diagnóstico do “declínio do progresso” no Século XVIII a partir da iluminação de Rousseau é o artigo apresentado na revisão de literatura, por Luciano da Silva Façanha, conforme o autor, o texto surgiu a partir de uma apresentação na mesa redonda Progresso e decadência no século das luzes em 12/12/2006, durante o VI Encontro Humanístico do Centro de Ciências Humanas da UFMA, e foi publicado inicialmente na Ciências Humanas em Revista - São Luís, v. 5, número especial, junho 2007. A publicação na atualidade, no formato de revisão de literatura, se deve ao fato de que a edição foi esgotada e não há mais acesso, pois não havia a publicação digital, além da procura e solicitação do artigo por diversos pesquisadores brasileiros. Portanto, a publicação atual conserva tudo que havia na primeira edição, mas contém alguns acréscimos e atualizações bibliográficas. O artigo decorre da discussão em torno da decadência do progresso no século das luzes, enfocando o advento da Encyclopédie, como símbolo do progresso, com ênfase no Iluminismo francês. Não se constitui, portanto, num espaço analítico, mas oferece uma observação crítica sobre os progressos sofridos naquele momento, a partir da crítica realizada pelo filósofo genebrino, Jean-Jacques Rousseau.

Dessa forma, a Revista Iluminus apresenta em seu segundo número 11 artigos, trazendo informações importantes e originais nas reflexões dos autores, proporcionando   um rico saber sobre o Iluminismo.

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2024-12-14

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Editorial