CABO VERDE E BRASIL: hibridizações e inter-relações entre Morna, Modinha e Lundu

Autores

Resumo

No presente artigo procuramos refletir e analisar as relações estabelecidas do ponto de vista da História Social da Música entre Cabo Verde e Brasil, para tanto, assumimos a morna como objeto de nosso estudo. De acordo com vários pesquisadores do gênero cancional cabo-verdiano discutido no texto, compositores como Francisco Xavier da Cruz, B.Léza (1905-1958) e Luís Rendall(1898-1986) utilizaram-se dessa estética musical, que emergiu na segunda metade do século XVIII, mesmo período do desenvolvimento da modinha e do lundu em sua forma canção. Ressaltamos a hipótese de que a morna não é um mero resultado da adaptação dos gêneros brasileiros no contexto cabo-verdiano, mas sim uma construção sonora que se tornou peculiar à realidade insular de Cabo Verde. Apesar de reconhecermos que a morna foi criada pelo hibridismo, inter-relações e diálogos com as células rítmicas dos gêneros musicais brasileiros. A maioria da população das dez ilhas que compõem Cabo Verde é etnicamente negra. Sendo que a formação de seu povo se deu por meio das diásporas africanas, memórias e culturas ancoradas em corpos negros. Os processos de mestiçagens entre africanos, europeus, italianos, ingleses e, em particular, portugueses, que colonizaram o conjunto de ilhas do arquipélago colaboraram para a formação étnica do seu povo. Efetivamente, as migrações e as diferenças culturais entre esses povos foram pavimentadas pela hibridização e a cultura acústica, componentes fundamentais para a constituição da morna nesse território. Focamos metodologicamente em reflexões por meio dos diálogos com a bibliografia sobre o assunto e nas análises das canções “Brada Maria” e “Despedida”, de Eugénio Tavares (1867-1930). Para o embasamento do texto articulamos teoricamente com os autores: Araújo (1963), Antonacci (2013), Brito (2019), Canclini (2003), Grecco (2012), Lopes (2004), entre outros.

Palavras-chave: Cabo Verde. Morna.Modinha. Lundu. Cultura acústica.

 

In this paper, we seek to reflect and analyze the relationships established from the perspective of the Social History Music between Cape Verde and Brazil, for this purpose, we assume the morna as the object of our study. According to several researchers of the Cape Verdean song genre discussed in the text, composers such as Francisco Xavier da Cruz, B. Léza (1905-1958), and Luís Rendall (1898-1986) used this musical aesthetic that emerged in the second half of the18th century. The same period of the development of the modinha and lundu in its song form. We emphasize the hypothesis that morna is not a mere result of the adaptation of Brazilian genres in the Cape Verdean context, but rather a sound construction that has become peculiar to Cape Verde island reality. Although, we recognize that the morna has created by hybridism, interrelationships, and dialogues with the rhythmic cells of the Brazilian musical genres. The majority of the population of the ten islands that make up Cape Verde is ethnically black. The formation of its people took place through African diasporas, memories, and cultures anchored in black bodies. The miscegenation processes among Africans, Europeans, Italians, English, and, in particular, Portugueses who colonized the islands group, collaborated for the ethnic formation of their people. By all means, the migrations and cultural differences among these peoples have paved by hybridization and acoustic culture, fundamental components for the constitution of morna in this territory. We methodologically focus on reflections through dialogues with the bibliography about the subject and on the analysis of the songs “Brada Maria” and “Despedida” by Eugénio Tavares (1867-1930). To the text basis, we theoretically articulate with the authors: Araújo (1963), Antonacci (2013), Brito (2019), Canclini (2003), Grecco (2012), Lopes (2004), among other.

Keywords: Cape Verde. Morna. Modinha. Lundu. Acoustic culture.

 

En este artículo, buscamos reflexionar y analizar las relaciones establecidas desde el punto de vista de la Historia Social de la Música entre Cabo Verde y Brasil; para eso, asumimos la morna como el objeto de nuestro estúdio. Según varios investigadores del género "canción" en Cabo Verde discutidos en el texto, compositores como Francisco Xavier da Cruz, B. Léza (1905-1958) y Luís Rendall (1898-1986) usaron esta estética musical, que surgió en el segunda mitad del siglo XVIII, el mismo período de desarrollo de la modinha y lundu en su forma de canción. Hacemos hincapié en la hipótesis de que la morna no es un mero resultado de la adaptación de los géneros brasileños en el contexto caboverdiano, sino más bien una construcción sólida que se ha vuelto peculiar de la realidad isleña de Cabo Verde, aunque reconocemos que la morna fue creada por el hibridismo, interrelaciones y diálogos con las células rítmicas de los géneros musicales brasileños. La mayoría de la población de las diez islas que componen Cabo Verde es étnicamente negra, y la formación de su gente tuvo lugar a través de las diásporas africanas, los recuerdos y las culturas anclados en cuerpos negros. Los procesos de mestizaje entre africanos, europeos, italianos, ingleses y, en particular, portugueses, que colonizaron el grupo de islas en el archipiélago, contribuyeron a la formación étnica de su pueblo. De hecho, las migraciones y las diferencias culturales entre estos pueblos fueron pavimentadas por la hibridación y la cultura acústica, componentes fundamentales para la constitución de la morna en este territorio. Nos enfocamos metodológicamente en reflexiones a través de diálogos con la bibliografía sobre el tema y en el análisis de las canciones "Brada Maria" y "Despedida", de Eugénio Tavares (1867-1930). Como base para el texto, articulamos discusiones teóricas con los autores: Araújo (1963), Antonacci (2013), Brito (2019), Canclini (2003), Grecco (2012), Lopes (2004), entre otros.

Palabras clave: Cabo Verde. Morna. Modinha. Lundu. Cultura acústica.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Jonas Rodrigues de Moraes, Universidade Federal do Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Ciências Humanas / História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) / Campus Codó-MA. Doutor em História Social PUC/SP (2014). Mestre em História Social - PUC/SP (2009). Especialista em História do Brasil - Universidade Federal do Piauí (UFPI) (2003). Graduado em História pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI (2000). Trabalhou também como professor na modalidade regime especial na Universidade Estadual do Piauí no curso de História. Foi docente da Faculdade do Médio Piauí (FAMEP); Secretaria de Estado da Educação do Piauí (SEDUC-PI), admissão em 14/11/2001 e Secretaria Municipal de Educação de Caxias-MA (SEMEDUC), admissão em 07/03/2002. Tem práticas de docência nas áreas de História, Sociologia, Antropologia, História da Arte e Música. Experiência internacional com intercâmbio cultural em língua inglesa no Spring International Language Center University of Arkansas, Estados Unidos da América. Publicou recentemente o livro: Sons do sertão: Luiz Gonzaga, música e identidade. 1ª. ed. São Paulo - SP: Annablume, 2012; publicação do artigo no livro Tecituras das Cidades: Histórias, música e paisagens sonoras (Coletânea): ?NA LATA DO POETA TUDO-NADA CABE: Gilberto Gil diálogos com a tradição musical brasileira, São Paulo: Editora e-Manuscrito, 2018. 

Francisco Adelino de Sousa Frazão, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí

Doutorando em Música (UFMG); Mestre em Letras (UESPI); Especialista em Docência do Ensino Superior (UESPI); Graduação em Licenciatura Plena em Educação Artística (UFPI); Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (IFPI). Endereço: Rua João Fernandes, n° 87, Bloco 7, apartamento 401, Bairro Liberdade (Pampulha), Belo Horizonte – MG, CEP: 31270-290. Telefone/watts: (086)99818-0187. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1190071582491387. E-mail: adelinofrazao@hotmail.com

Referências

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Site disponível em: http://dicionariompb.com.br/lundu/dados-artisticos. Acesso dia 05/06/2020.

ALVARENGA, Oneyda. Música Popular brasileira. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1982.

ANDRADE, Mário de. Modinhas imperiais. São Paulo: Casa Chiarato – L. G. Miranda Editora, 1930.

ANTONACCI, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2013.

ARAÚJO, Mozart de. A modinha e o lundú no século XVIII: uma pesquisa histórica e bibliográfica. São Paulo: Ricordi, 1963.

BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno: coleção das suas cantigas, oferecidas aos seus amigos. Volume I. Lisboa: Na Officina Ninesiana, 1798.

______. Viola de Lereno: coleção das suas cantigas, oferecidas aos seus amigos. Volume II. Lisboa: Na Typografia Lacerdina, 1826.

BRITO, Geni Mendes de. Morna: identidade e literatura em Cabo Verde. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal – RN, 2019.

BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Tradução de Marta Kirst. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ªed. São Paulo: Edusp, 2003.

CASTAGNA, Paulo. A modinha e o lundu nos séculos XVIII e XIX. Apostila do curso História da Música Brasileira. Instituto de Artes da UNESP. s.d. Disponível em: https://escriturasvirreinales.files.wordpress.com/2014/04/lundum-y-modinha.pdf. Acesso em 03/06/2020.

DIAS, Juliana Braz. Mornas e Coladeiras de Cabo Verde: versões musicais de uma nação. (Tese de doutoramento em Antropologia) Brasília, Universidade de Brasília, 2004.

DODERER, Gerhard. Modinhas Luso-Brasileiras. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

DUARTE, Dulce Almada. Literatura e Identidade: Uma abordagem sociocultural. In. Revista Cultura, ano 2, nº 2, Praia, Ministério da Cultura de Cabo Verde, Julho de 1998.

ÉVORA, Brígida dos Santos. O papel da música na afirmação da Cultura Cabo verdiana no país e na diáspora. Universidade de Cabo Verde, Praia. Junho de 2010.

FERREIRA, Manuel. A Aventura Crioula – ou Cabo Verde uma síntese cultural e étnica. 2 ed. Lisboa, Plátano Editora, 1973.

GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: UCAM - Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

GOMES, Simone Caputo. Cabo Verde: Literatura em chão de cultura. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.

GRECCO, Fabiana Miraz de Freitas. Os Pilares da Música Popular Brasileira e Cabo-Verdiana: Modinha, Lundu e Morna. Revista Brasileira de Estudos da Canção, v. 2, p. 290-311, 2012.

JACINTO, Rui. Música e identidade cabo-verdiana: a propósito da candidatura da Morna a Patrimônio Imaterial da Humanidade. Universidade de Coimbra. Diálogos (Trans) fronteiriços, 2017.

KIEFER, Bruno. A modinha e o lundu, duas raízes da música popular brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1977.

LIMA, Edílson de. As Modinhas do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.

LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura Acústica e Letramento em Moçambique: em busca de fundamentos para uma educação intercultural. São Paulo: EDUC, 2004.

MARTINS, Vasco. A música tradicional Cabo-Verdiana I (A Morna). Praia/ Cabo Verde: Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco, 1988.

MORAES, Jonas Rodrigues de. Polifonia e hibridismos musicais: relações dialógicas entre Luiz Gonzaga, Gilberto Gil e Torquato Neto. Tese (Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2014.

MUKUNA, Kazadiwa. Contribuição Bantu na música popular brasileira: perspectivas etnomusicológicas. São Paulo: Terceira Margem, 2006.

NEVES, Cesar das; CAMPOS, Gualdino de. Cancioneiro de musicas populares. vol. II. Porto: Typ. Occidental, 1893.

NOGUEIRA, Gláucia. Tradição versus inovação na música em Cabo Verde: luta de gerações, espaços ou ideias? In: Revista Brasileira de Estudos da Canção – ISSN 2238-1198. Natal, n.3, jan-jun 2013.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Som e Música: Questões de uma antropologia sonora. In: Revista de Antropologia. Vol. 44. nº 1. São Paulo, 2001.

PEREIRA, André Luiz Mendes. Um estudo etnomusicológico do congado de Nossa Senhora do Rosário do Distrito do Rio das Mortes, São João Del-Rei, MG. Dissertação de Mestrado em Música da Escola de Música da UFMG: Belo Horizonte, 2011.

RODRIGUES, Vandira. Morna, o ritmo de Cabo Verde elevado pela UNESCO. 2020. Texto disponível no endereço eletrônico: . Acesso em 03/06/2020.

RODRIGUES, Gabriel Moacyr. O papel da morna na afirmação da identidade nacional em Cabo Verde. (Tese de Doutoramento em Ciências Musicais – Etnomusicologia). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Universidade Nova de Lisboa, 2015.

RODRIGUES, Moacyr. LOBO, Isabel. A morna na literatura tradicional – fonte para o estudo histórico-literário e a sua repercussão na sociedade. Mindelo, ICLD, 1996.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.: Ed. UFRJ, 2008.

SOBRINHO, Genivaldo Rodrigues. Eugênio Tavares: retratos de Cabo Verde em prosa e poema. São Paulo: Tese de doutorado (USP): 2010.

TAVARES, Eugénio. Mornas cantigas crioulas. Luanda: Liga dos Amigos de Cabo Verde. 1969. [1ª. Edição: 1932].

TAVARES, Manuel de Jesus. Aspectos evolutivos da música cabo-verdiana. Centro Cultural Português: Praia, 2005, p. 83-84.

VARGAS, Heron. Hibridismos musicais em Chico Science & Nação Zumbi. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007.

* Músicas analisadas

TAVRES, Eugénio. Brada Maria, morna 14ª faixa, 04min37seg CD “Gardênia canta Silvestre Faria e amigos. Silvestre Faria: Sua Vida, Sua História e Sua Obra”, BrazucaPublishings, 2014. Disponível em: . Acesso 19/07/2020.

TAVARES, Eugénio. Despedida, morna, 05min33seg. Vídeo, interpretação de Maria Alice ao Vivo no Teatro da Trindade, Lisboa, s/d. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=1aWBJ-njod0>. Acesso em 20/07/2020.

* Sites pesquisados

Portal Literafro– literatura afro-brasileira / Letras – UFMG. Domingos Caldas Barbosa. Disponível em: . Acesso em: 18/07/2020.

Downloads

Publicado

2020-11-19

Como Citar

Moraes, J. R. de, & Frazão, F. A. de S. (2020). CABO VERDE E BRASIL: hibridizações e inter-relações entre Morna, Modinha e Lundu. Kwanissa: Revista De Estudos Africanos E Afro-Brasileiros, 3(6). Recuperado de http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/kwanissa/article/view/14743

Edição

Seção

Artigos