NEGRAS RE(EXISTÊNCIAS): a contribuição da patrimonialização quilombola no processo de reconstrução da identidade nacional no Brasil

Autores

Resumo

BLACK RESISTANCE:

 the contribution of the quilombola heritage to the process of rebuilding national identity in Brazil

 

NEGRAS RESISTENCIAS:

 la contribución del patrimonio quilombola al proceso de reconstrucción de la identidad nacional en Brasil

Resumo

O tombamento da Serra da Barriga (o Quilombo dos Palmares) foi o primeiro reconhecimento, no campo da patrimonialidade, do Estado em relação à insurgência da população negra às opressões que sofreram no passado e que perduram na sociedade brasileira. A partir desse exemplo de patrimonialização, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que todos os documentos e sítios com reminiscências históricas dos antigos quilombos seriam objeto de proteção pelo Estado. Todavia, após essa determinação constitucional apenas o Quilombo do Ambrósio teve esse reconhecimento, o que demonstra a dificuldade de se enfrentar o racismo, um dos componentes estruturantes das relações sociais no Brasil. Assim, o artigo tem como objetivo analisar como as resistências quilombolas foram inseridas no processo de patrimonialização do Estado-Nação brasileiro, a partir desses casos. A análise sugere que esses exemplos de patrimonialização consistiram na necessidade do Estado-Nação reescrever o seu mito fundacional, inserindo em sua narrativa a versão silenciada da resistência quilombola à escravização dos negros no Brasil. Constituindo-se em hipótese de patrimonialização antirracista capaz de contribuir para se combater o racismo institucional e cultural, bem como romper com os silêncios burocráticos que se formaram em relação à escravidão e aos seus efeitos pós-abolição, sugere-se a necessidade de se dar efetividade a esse importante legado de patrimonialidade afro-brasileira. A metodologia consistiu na revisão crítica de literatura e análise documental dos processos de tombamento desses dois sítios quilombolas, os quais foram palco de lutas e resistências dos escravizados que fugiram da opressão da escravidão.

Palavras-chave: Estado-Nação. Silenciamentos. Patrimonialidade. Quilombos. Re(existências).

 

Abstract

The article seeks to analyze how the quilombola resistance was inserted in the patrimonialization process of the Brazilian Nation-State, based on two cases of patrimonial listing. The listing of Serra da Barriga (Quilombo dos Palmares) was the first recognition, in the patrimonial field, of the State in relation to the insurgency of the black population to the oppressions that they suffered in the past and that still last in Brazilian society. Based on this example of patrimonialization, the Federal Constitution establishes that all documents and sites with historical reminiscences of the old quilombos would be protected by the State. However, after this constitutional determination, only Quilombo do Ambrósio was granted this recognition and protection, which demonstrates the hardship of facing racism, a structural component of social relations in Brazil. It also represented a possibility of anti-racist patrimonialization able to contribute to the fight against institutional and cultural racism, as well as breaking the bureaucratic silencing that has existed regarding slavery and its post-abolition effects. We indicate the need to bring light to this important legacy of Afro-Brazilian heritage. The methodology was a critical review of previous academic papers and documents regarding the listing processes of these two quilombola sites, which were places of struggle and resistance by the enslaved ones who fled the oppression of slavery. The analysis suggests that these examples of patrimonialization came from the need for the Nation-State to rewrite its foundational myth, inserting in its narrative the silenced version of quilombola resistance to the enslavement of blacks in Brazil.

Keywords: Nation-State. Silencing. Heritage. Quilombos. Resistance.

 

Resumen

 El reconociemento de la Serra da Barriga (Quilombo dos Palmares) fue el primer paso, en el campo del patrimonio, del Estado en relación con la insurgencia de la población negra a las opresiones que sufrieron en el pasado y que perduran en la sociedad brasileña. Basado en este ejemplo de patrimonialización, la Constitución Federal de 1988 estableció que todos los documentos y sitios con reminiscencias históricas de los antiguos quilombos estarían protegidos por el Estado. Sin embargo, después de esta determinación constitucional, solo el Quilombo do Ambrósio recibió este reconocimiento, lo que demuestra la dificultad de enfrentar el racismo, uno de los componentes estructurantes de las relaciones sociales en Brasil. Por lo tanto, el artículo tiene como objetivo analizar como cómo se insertaron las resistencias quilombolas en el proceso de patrimonialización del estado-nación brasileño, basado en estos casos. El análisis sugiere que estos ejemplos de patrimonialización consistieron en la necesidad del Estado-Nación reescribir su mito fundacional, insertando en su narrativa la versión silenciada de la resistencia quilombola a la esclavitud de los negros en Brasil. Como hipótesis de patrimonialización antirracista capaz de contribuir a la lucha contra el racismo institucional y cultural, así como a romper los silencios burocráticos que se formaron en relación con la esclavitud y sus efectos posteriores a la abolición, se sugiere la necesidad de dar eficacia a este importante legado del patrimonio afrobrasileño. La metodología consistió en una revisión crítica de la literatura y el análisis documental de los procesos de reconocimiento cultural / constitucional de estos dos sitios de viejos quilombos, que fueron escenario de luchas y resistencias de los esclavos que huyeron de la opresión de la esclavitud.

Palabras clave: Estado-nación. Silencios. Patrimonios. Palenques. Resistencias.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Paulo Fernando Soares Pereira, Universidade de Brasília - UnB Advocacia-Geral da União - AGU

Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA Integrante da Advocacia-Geral da União – AGU (Procurador Federal), atuando em demandas relacionadas a comunidades quilombolas, povos indígenas e patrimônio cultural brasileiro.

Referências

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (org.). Terras de preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. Projeto vida de negro. Coleção Negro Cosme, vol. III. São Luís: SMDH/CCN/MA/PVN, 2002b.

BASTIDE, Roger. Los otros quilombos. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. Traducción de Lucio Fernando Oliver Costilla. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 152-161.

BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, 1989, 249 f.

BRITO, Luciana da C. Sem direitos, nem cidadania: condição legal e agência de mulheres e homens africanos na Bahia do século XIX. História Unisinos, Canoas, vol. 14, nº 03, p. 334-338, set./dez. 2010.

CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. Prefácio de Flávio dos Santos Gomes. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

CARSALADE, Flávio de Lemos. A preservação do patrimônio como construção cultural. Arquitextos, São Paulo, ano 12, nº 139.03, p. 1-9, dez. 2011.

CASSIANI HERRERA, Alfonso. Palenque Magno. Resistencias y luchas libertarias del Palenque de la Matuna a San Basilio Magno, 1599 – 1714. Cartagena de Indias: Icultur, 2014.

COSTA, Diogo Menezes. Arqueologia dos africanos e escravos e livres na Amazônia. Vestígios: Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, Belo Horizonte (UFMG), vol. 10, nº 1, p. 71-91, jan./jun. 2016.

CROZIER, Michel. O fenômeno burocrático: ensaio sobre as tendências burocráticas dos sistemas de organização modernos e suas relações, na França, com o sistema social e cultural. Tradução de Juan A. Gili Sobrino. Brasília: Editora UnB, 1981.

CROZIER, Michel. A sociedade bloqueada. Tradução de Maria Lúcia Álvares Maciel. Brasília: Editora UnB, 1983FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. 5. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984.

CRUZ GONZÁLEZ, Miguel A. Con libertad pero sin ciudadanía. Igualdad formal y subjetivación del “negro” en las postrimerías de la esclavitud. In: MOSQUERA ROSERO-LABBÉ, Claudia; LAÓ-MONTES, Agustín; RODRÍGUEZ GARAVITO, César (Coords.). Debates sobre ciudadanía y políticas raciales en las Américas Negras. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia - UNAL, 2010, p. 489-522.

ESCALANTE, Aquiles. Palenques en Colombia. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. Traducción de Lucio Fernando Oliver Costilla. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 72-78.

FIABANI, Adelmir. Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes [1532-2004]. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

FRANCO, José L. Rebeliones cimarronas y esclavas en los territorios españoles. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. Traducción de Lucio Fernando Oliver Costilla. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 43-54.

FREITAS, Mário Martins de. Reino negro de Palmares. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988.

FUNARI, Pedro Paulo de Abreu. A arqueologia de Palmares: sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 26-51.

GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, São Luís (UEMA), vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011.

GOMES, Flávio dos Santos. De olho em Zumbi dos Palmares: histórias, símbolos e memória social. São Paulo: Claro Enigma, 2011c.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/IPHAN, 1996.

GUIMARÃES, Carlos Magno; CARDOSO, Juliana de Souza. Arqueologia do quilombo: arquitetura, alimentação e arte (Minas Gerais). In: MOURA, Clóvis (org.). Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL, 2001, p. 35-60.

HERNÁNDEZ, Tanya Katerí. La subordinación racial en Latinoamérica: el papel del Estado, el derecho consuetudinário y la nueva respuesta de los derechos civiles. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, Pontifícia Universidad Javeriana, 2013.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo nº 1.069-T-82. Tombamento da Serra da Barriga (Quilombo dos Palmares), União dos Palmares/AL. Brasília: 1982b.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo nº 1.428-T-98. Tombamento das reminiscências históricas do antigo Quilombo do Ambrósio, Ibiá/MG. Brasília: 1998c.

LEITE, Ilka Boaventura. O projeto político quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais. Estudos Feministas, Florianópolis (UFSC), vol. 16, nº 3, p. 965-977, set./dez. 2008.

LIMA, Tania Andrade. Arqueologia como ação sociopolítica: o caso do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX. Vestígios: Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, Belo Horizonte (UFMG), vol. 07, nº 1, p. 179-207, jan./jun. 2013.

LINDOSO, Dirceu. A razão quilombola: estudos em torno do conceito quilombola de Nação etnográfica. Maceió: EDUFAL, 2011.

MANSILIA CASTAÑO, Ana M. Patrimonio afroamericano en Brasil: arqueología de los quilombos. Revista sobre Arqueología en Internet, Madrid (Universidad Complutense de Madrid - UCM), vol. 2, p. 1-15, 2000.

MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1981.

MOURA, Clóvis. Escravismo, colonialismo, imperialismo e racismo. Afro-Ásia, Salvador (UFBA), nº 14, p. 124-137, 1983.

MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. 3. ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.

NASCIMENTO, Abdias do. Quilombismo: um conceito científico emergente do processo histórico-cultural das massas afro-brasileiras. In: O quilombismo: documentos de uma militância pan-africana. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 245-281.

NAVARRETE, María Cristina P. Los cimarrones de la província de Cartagena de Indias en el siglo XVII: relaciones, diferencias y políticas de las autoridades. RITA: Reveu Interdisciplinaire des travaux sur les Amériques, Paris, nº 5, p. 1-19, déc. 2011.

NAVARRETE, María Cristina. De reyes, reinas y capitanes: los dirigentes de los palenques de las sierras de María, siglos XVI e XVII. Fronteras de la Historia, Bogotá (Instituto Colombiano de Antropología e Historia - ICANH), vol. 20, nº 2, p. 44-62, jul./dic. 2015.

O’DWYER, Eliane Cantarino. Os quilombos e as fronteiras da antropologia. Antropolítica, Niterói (UFF), vol. 19, p. 91-111, 2005.

PEREIRA, Paulo Fernando Soares. Esquecimentos da memória: a judicialização, arena de discussão ou bloqueio ao patrimônio cultural quilombola? Revista de Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica, Florianópolis (CONPEDI), vol. 02, p. 01-31, 2016.

PEREIRA, Paulo Fernando Soares; FARRANHA, Ana C. Sociedade, Estado e as políticas patrimoniais: por um necessário diálogo. Publicações da Escola da AGU, Brasília, vol. 9, nº 3 [Direitos culturais, a questão patrimonial brasileira e a AGU], p. 199-219, jul./set. 2017.

PINHEIRO, Cristiano Guedes. Antigos quilombos, comunidades remanescentes e a ressignificação do conceito de resistência. REDE-A: Revista de Estudos Afro-Americanos, Niterói (Universidade Salgado de Oliveira), vol. 2, nº 2, p. 56-71, jul./dez. 2012.

PRICE, Richard. Quilombolas e direitos humanos no Suriname. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre (UFRGS), ano 5, nº 10, p. 203-241, maio 1999.

PRICE, Richard. Reinventando a história dos quilombos: rasuras e confabulações. Afro-Ásia, Salvador (UFBA), nº 23, p. 1-26, 2000.

SANTOS, Jocélio Teles dos. O poder da cultura e a cultura do poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2005.

SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução de Jussara Simões. Santa Catarina: EDUSC, 2001.

SINGLETON, Theresa A. Reflexões sobre a arqueologia da diáspora africana no Brasil. Vestígios: Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, Belo Horizonte (UFMG), vol. 7, nº 1, p. 211-219, jan./jun. 2013.

SYMANSKI, Luís Cláudio P.; GOMES, Flávio dos Santos. Da cultura material da escravidão e do pós-emancipação: perspectivas comparadas em Arqueologia e História. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro (UFRJ), vol. 7, nº 1, p. 293-338, 2013.

SYMANSKI, Luís Cláudio P. A arqueologia da diáspora africana nos Estados Unidos e no Brasil: problemáticas e modelos. Afro-Ásia, Salvador (UFBA), nº 49, p. 159-198, 2014.

SYMANSKI, Luís Cláudio Pereira. Cultura material/arqueologia da escravidão. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 176-182.

THIAW, Ibrahima. História, cultura material e construções identitárias na Senegâmbia. Traduzido por Alba Valéria Tinoco da Silva e Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha. Afro-Ásia, Salvador (UFBA), nº 45, p. 9-24, 2012,

WADE, Peter. Liberalismo, raza y ciudadanía en Latinoamérica. In: MOSQUERA ROSERO-LABBÉ, Claudia; LAÓ-MONTES, Agustín; RODRÍGUEZ GARAVITO, César (Coords.). Debates sobre ciudadanía y políticas raciales en las Américas Negras. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia - UNAL, 2010, p. 467-486.

YABETA, Daniela; GOMES, Flávio dos Santos. Memória, cidadania e direitos de comunidades remanescentes (em torno de um documento da história dos quilombolas de Marambaia). Afro-Ásia, Salvador (UFBA), nº 47, p. 79-117, 2013.

Downloads

Publicado

2021-04-28

Como Citar

Soares Pereira, P. F. (2021). NEGRAS RE(EXISTÊNCIAS): a contribuição da patrimonialização quilombola no processo de reconstrução da identidade nacional no Brasil. Kwanissa: Revista De Estudos Africanos E Afro-Brasileiros, 4(8). Recuperado de http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/kwanissa/article/view/13586

Edição

Seção

Artigos